quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

lindo

lindo

vou indo
mal das pernas,
da cabeça,
do pescoço pra baixo,
da metade pra cima.
não estou ligando,
nem atendendo,
podem olhar, podem tentar,
vou indo,
sorrindo.
tudo bem...
não é pra menos,
dou razão,
dou motivo,
mas vou indo,
mesmo assim,
em frangalhos,
lindo!

domingo, 1 de dezembro de 2013

óbvios

óbvios

sobre o que,
poderia escrever?
sobre o tempo perdido,
amizades desfeitas,
amores antigos,
sobre curvas perfeitas?
a cidade vibra
ao meu redor,
e eu sem ação
no meio da ação.
congelei.
joguei tudo da ponte,
queimei meu filme,
sujei minhas mãos.
mas escrever sobre o que?
vaidade,
a doença e a carne,
água fria no mate,
sobre o horror do verão?
sobre o que?
não há muito a dizer,
tudo é muito obvio,
todos são,
como devem ser,
adequados,
em qualquer situação.
me deixam sem escolhas,
não sobrou nada,
alem do meu não.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

da brevidade

da brevidade

escondido,
roto e amontoado,
sem banho,
isolado,
perdido,
nervoso,
sofrendo,
enlouquecendo calado,
dono e senhor,
do próprio
fardo.
com calor,
e pouco tempo
existindo aos poucos,
no intervalo,
no tempo que me dão,
no intocável,
no silêncio quebrado,
no pó dos livros
na perfeita,
impossível,
solidão.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

fome

fome

o seio tinha
o molde da mão
e o umbigo
o formato perfeito
para o beijo
rarefeito
que evapora no ar
eu canino
espreitava
como lobo
cercando a caça
rondando a casa
esperando
a noite
chegar.

domingo, 10 de novembro de 2013

entre linhas

entre linhas

não tenho nada nas mãos
sou o simplório dos simplórios
meu tesouro
minha herança
e aquilo que me cabe
são essas palavras que escrevo.
e pode não ser muito
mas estão feitas
por necessidade
por ninguém
egoísmo absoluto
e fiz muitas vezes.
você pode achar medíocre
mas está feito
e estou nessas letras
nas entre linhas
e você
onde está?

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

entre iguais

entre iguais

o povo está falando
que isso aqui é arte
estão dizendo
que meu cabelo é fofo
andam tatuando
meu nome em vão
e vão achando
que me misturo pouco
estão soprando
antes de bater
me apresentam o santo
pra eu me converter
estão perdidos
no meu labirinto
pois eu sou um Gênio
mais que Galileu
escrevo o manifesto
que ninguém leu
e se alguém morrer
já sei quem fui
e sob aclamação
recebo o premio
todo mundo aplaude
meu nariz
vermelho.

premonição

premonição

morte? não.
minha sorte
ainda seria aquele cão,
que vinha toda noite
e me esperava,
no embaçado do espelho.

domingo, 22 de setembro de 2013

mirada

mirada

na ponte,
na beira da ponte,
vanguarda do fronte,
miro,
o minuano.
tão perto
tão longe
porto austral
ponto perfeito
punta del este
nas madrugadas sem fim.
frio no peito
não e sim
distância que não existe
ao sul o sol
o começo
e o fim.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A estética das massas

A estética das massas

ela tinha o cabelo molhado
passava um pouco das oito da manhã
até que caminhava bem
usando a calça da moda
a mais vendida nos balaios
cópia das capas de revistas.
tinha nos pés,
o lançamento do inverno passado,
o que explicava o preto surrado
que virou cinza.
exalava pobreza
um pobre conhece outro muito bem
quem TEM não reconhece ninguém,
não precisa...
ela continuava
não servia muito bem na calça
mas admirava seu reflexo
nos vidros dos carros
sentia-se sensual
desviando dos mendigos
do lixo
dos loucos
lutando para chegar no horário
para não perder o sub emprego
que odiava.

sábado, 7 de setembro de 2013

na madrugada chuvosa

na madrugada chuvosa

a morte do poeta
é lenta
é certa
na madrugada
e além
perece
e com ele
ninguém.

domingo, 1 de setembro de 2013

tango à ilusão

tango à ilusão

esquina escura
esquina em pedaços
mulher escura
mulher em pedaços
mesclam-se
névoa e hálito
"siempre hay una
para cubrir la que se va"
no encontro dessas ruas
ali está
os saltos não são novos
mas altos
pernas exatas
expostas ao frio
e o coração
protegido
sob o casaco de pele
puído
comprado no brechó
"siempre hay una...

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

en mi menor

en mi menor

na milonga
não atrevo
toda língua tem seus gênios
toda pátria tem seus mitos
na milonga
não atrevo
mesmo sendo instinto
gaúcho
quieto
simples mateador
por respeito,
na milonga
não atrevo
vejo Borges
cruzando a praça
Entrevero
um céu blindado ao seu redor
baixo os olhos
sinto o vento
fico
en mi menor
na milonga
não atrevo.

domingo, 11 de agosto de 2013

se estou por baixo

se estou por baixo

vem
você está por cima
me ensina,
o ritmo que já sei,
que tudo nos espera,
e de novo,
tudo bem.
dominamos só o tempo,
e não a pele que transpira,
que escorre,
no espaço zero entre nós.
a complexidade do universo
reduzida
ao mamilo
a saliva
naquilo que vislumbro,
se estou por baixo.

domingo, 4 de agosto de 2013

travesseiro

travesseiro

meu bem,
me dá um beijo de absinto,
verde, leve, todo anis.
tenho doze anos nessa dose
e duas pedras de gelo no meu copo,
tenho o brilho do teu corpo,
nessa luz que vem da rua.
nua,
manda eu escolher,
entre o gim e a tequila,
e eu só penso nos teus lábios,
nessa boca entreaberta,
língua quente, sal, limão...
tequila então.
deixa o tempo lá fora,
o gelo derretendo,
e esse travesseiro no chão.

domingo, 28 de julho de 2013

bela morte

bela morte

que bela morte
no vaso sanitário,
calças arriadas,
e nem é minha melhor calça.
algo não está funcionando bem,
o silêncio
fugiu de mim,
definitivamente.
e nem o que era meu,
nem isso me pertence,
que bela morte
na privada,
privado,
de melhor sorte.

domingo, 21 de julho de 2013

desengajado

desengajado

esses braços não levantam bandeiras,
campeões das causas perdidas.
escuto os gritos,
vejo os fogos,
e nada emociona de verdade,
é só outro ato do circo.
substituir o poder,
subverter a ordem,
é trocar seis por meia dúzia,
homem no lugar de homem,
serpente devorando o próprio rabo.
minha alma não pertence,
nem a Deus ou ao Diabo,
escolho o caminho mais difícil.
EU
um dia após o outro,
a barba crescendo no espelho,
as contas, as dores,
labirinto, brigas de vizinhos,
meu time que não ganha,
o inverno que acaba,
preço do vinho que aumenta.
quer resolver meus problemas?
termine esse poema.

sábado, 13 de julho de 2013

poema impossível

poema impossível

um poema impossível
insiste em nascer,
parido e morto,
sempre,
na mesma frase,
na mesma fase,
no tempo tão raro,
que tem para ser.
morto por quem liga,
morto por quem passa,
pelos médicos,
pelos palhaços,
pela puta faminta
que faz pose na praça,
morto por um parente,
que não entende,
a necessidade urgente,
de quem precisa escrever.
morto,
por quem não respeita
o minuto de silêncio,
executado no peito,
abismo calado,
onde um poema impossível
insiste em nascer.

domingo, 7 de julho de 2013

herança

herança

fiquei no mesmo lugar,
e não impressiono ninguém,
não pressiono também,
com essa tinta e papel.
posso cuspir em retratos,
passar fome em abril,
posso sentir...
quebrado e febril.
posso sorrir com falsidade.
será que isso é falhar?
tenho certeza que não,
no meu mundo,
os valores são outros.
não convenço, eu sei,
mas deixei papéis no caminho,
documentando,
o sucesso em viver,
o fracasso de existir.

domingo, 30 de junho de 2013

do amor cafona

do amor cafona

o amor vagabundo
com cara de fome,
de perfume e vodca barata.
é o amor dos cotovelos
nas mesas dos botecos,
de cerveja quente e pouca luz.
amor que toca num bolero,
amor louco,
que acaba na polícia,
na notícia.
amor de lágrimas borradas,
de banheiros, de puteiros,
de escadas.
é amor de quarto de empregada,
de radinho de pilha fraca,
sintonizado na AM
no amante,
no amor pobre e constante.
é amor que não é só amor,
é posse,
é porre
é morrer de querer
e não ter.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Tango ao Desamor

Tango ao Desamor

se pudesse escrever um tango,
um poema que fosse,
que explicasse o que passou,
que chorasse,
que brotasse,
de las manos, de los aires,
dos olhares de piedade,
nos lugares que chorou.
um tango,
acerca do amor,
que não foi,
que se perdeu
e da sombra que deixou.
só um tango,
com esse tema tão comum,
que todo amor de outro
é o desamor de um,
que enlouquece em qualquer quarto,
que não celebra nascimentos,
formaturas, casamentos,
e felicidades merecidas.
se pelo menos pudesse conceber um tango,
ela estaria lá,
olhos negros, salto alto,
a morte,
o sentido de quem nasce,
esperando
a hora de dançar.

domingo, 16 de junho de 2013

filosofando

filosofando

o que é você?
quem sou não sei,
não quero,
não queira também!
quem ora por nós? ninguém,
e qualquer especulação
sobre nossa relevância nesse mundo
é mera masturbação,
para aliviar nossas carências.
querem manchar nossa pureza,
e nos tornam pecadores
e nos perdoam
oferecendo tudo,
a lama do pai, do filho,
do circo e do pranto, amém!
você pediu perdão?
eu não,
não quero,
não queira também.
você nasceu de um gozo divino,
o que é você?
porra, é óvulo,
não sei.



domingo, 9 de junho de 2013

Cara ou coroa?

Cara ou coroa?

Antes de vencer qualquer batalha
perdeu todas
e não se importou nem um pouco,
não queria ser exemplo,
não queria a ilusão da vitória.
vencer o que?
vencer contra quem?
é preciso vencer alguém!
mas quem?
nem você sabe.
é importante cair,
importante perder,
sentir o cheiro da lona,
o cheiro da terra,
entender o próprio tamanho
para calcular bem
o estrago das quedas,
que são muitas
e são sempre,
antes e depois
de vencer qualquer coisa.
cara ou coroa?

domingo, 2 de junho de 2013

Isolamento acústico

isolamento acústico

aqui
sozinho nesse quarto
quieto
mesmo que por um instante
sento
com a loucura me cercando
sinto
finalmente que sou pleno
eu sou o rei
eu sou amado, odiado, esquecido
por tantos
por ninguém.
aqui
isolado nesse quadro
eu pinto o mundo com minhas cores
apago pontes
descrevo flores
temporariamente incomunicável
se fecho a porta
se desligo os telefones.

sábado, 25 de maio de 2013

carne santa

carne santa

não deveria ter entrado...
algumas vezes, não sempre,
precisava ser impedido
precisava até ser salvo.
não deveria ter entrado,
quantos problemas evitados!
dias de fome,
noites de frio...
onde andavam meus amigos?
se ficasse de fora,
talvez
tivesse alguma chance,
algum alento,
e descobrisse em mim o talento
para fazer algo bonito
artístico, estético,
boêmio patético!
mas estive só,
e absinto muito tudo isso.
fiquei ali,
pensando pouco, no pé da catedral
ganhei um beijo por piedade, ou maldade,
de um anjo que passava
fantasiado de princesa
meio da tarde, terça feira
num outro carnaval.

domingo, 19 de maio de 2013

Tango ao despertar


Tango ao despertar

Amanhecia lentamente
dois graus no horizonte sem cor,
eu e o café bebido
espiávamos o movimento
pela janela da Amarante,
víamos os passantes,
os amantes
andando encolhidos,
voltando das festas,
indo ao trabalho,
valsando,
num passo marcado.
o rádio desbotado,
da velhinha do primeiro andar,
tocava um tango antigo
bem mais que o tempo
tristezas de outra época.
aquele som,
naquele frio,
desfiando lágrimas, maldizendo amores
foi lindo
fechei os olhos para ouvir
e o amargo do café
fez sentido
no céu
da minha boca.

sábado, 4 de maio de 2013

morena

morena

de vez em quando,
ela me desarma.
fico só mirando,
os passos dela pela sala,
toda cílios, cabelos e lábios.
fala rouca bem baixinho,
ronronando,
dando fé das minhas canetas,
usando minha camiseta,
pra me explicar do alongamento,
da massagem,
do kit de maquiagem,
que mulher, tem que fazer drenagem,
que as vezes, calça 35,
pois tem calcanhar pequeno,
e que o esmalte, dessa vez,
é pitanga com luxúria.
eu adoro
e não preciso dizer nada,
ela sabe,
tudo aqui é gratuito,
estico a mão
chamo ela pro meu peito,
ela vem,
e é perfeito.

sábado, 27 de abril de 2013

lápis verde

lápis verde

na calada da noite
você nem vê,
o que faço,
com a ponta macia
do lápis verde 6B.
sem perder a calma,
posso furar seu olho
cutucar sua alma,
devagar,
te sujar de lama,
furar a bolha,
e te derrubar da cama.
semana após semana,
e você nem vê.
os gritos,
escritos borrados,
orgulhos, pecados,
nus,
desenhados,
com a ponta macia,
do lápis verde 6B.

domingo, 21 de abril de 2013

Remoto Controle

Remoto Controle

pago caro
pelos canais que não tenho
e os que tenho não assisto,
só existo,
correndo no asfalto sob sol,
juntando moedas,
para o pão,
para a luz,
e tudo que mal posso ter
e tudo que não quero ter.
passo mal,
passo longe,
espiando nas janelas,
só tendo a caneta
e o papel de escrever,
e vejo as senhoras gordas,
sentadas,
comendo biscoitos de polvilho,
com vestidos floridos,
esperando a hora de morrer,
passando os últimos minutos,
com elas,
com as telas das TVs.

domingo, 14 de abril de 2013

Mosaico


Mosaico

A vida é um mosaico
algumas peças não combinam
outras não casam bem
outras casam muito
esqueci de tanta coisa
montando esse desenho
fico parado olhando
miro o passado
mas não lembro bem
fico curvado
sobre o papel
minha coluna chama
minha atenção
igual criança mimada
e eu envolvido
no quebra cabeças
e já quebrei muitas vezes
o que assusta
é que não lembro bem
tanto faz
o meu tesouro está por perto
com unhas de veludo
a vida é um mosaico
e algumas peças
combinam bem.

domingo, 7 de abril de 2013

reflexão e cafeína

reflexão e cafeína

O café que eu frequento
é todo janelas
e é grande
e é sujo, o vidro,
por dentro e por fora.
de dentro,
as moscas batem querendo sair
de fora,
os mendigos batem querendo entrar,
e ambos trocam olhares
sobre o meu café.
esse muro transparente
separa tudo
miséria e miséria
decadência e decadência
solidão e solidão
estranho espelho.
e de repente percebo
"tudo lá fora é um reflexo meu"
assim
mantenho os olhos na xícara
ignoro
o zumbido da mosca
a fome do mendigo
evitando
eu.

Os não bucólicos

os não bucólicos

não pagaram nosso sucesso
não bancaram nossos estudos
somos a geração perdida
a desilusão dos pais
existindo por causa
e apesar deles.
corremos até cair,
perdemos pedaços por aí
banguelas
mascando
com o buraco da gengiva
o pão de ontem
que o diabo comprou.
e seguimos
por puro acaso
desde o nascimento acidental,
buscando o sonho ocidental,
até o próximo segundo,
próxima parada paraíso,
logo depois
de agora.

domingo, 31 de março de 2013

ouvindo blues

ouvindo blues

me conte o que não sei,
você me enlouquece
quando dança devagar
e eu me perco no sofá.
essas coisas é que fazem
o sujeito ser feliz
não importa se tem guerra,
se tem fome,
dívidas e miséria.
o que importa
é a serenidade dos teus olhos
contrastando com os quadris.
o blues vai na metade
e a garrafa vai no fim
mas isso não importa,
dance,
fique louca, quebre a taça,
tire a roupa
mas não pare,
por favor não pare,
de me olhar,
calmamente,
enquanto brinca
mexendo os quadris.

sexta-feira, 29 de março de 2013

náufragos

náufragos

pessoas mudam
o tempo vira
o barco afunda
uns se afogam
outros nadam para longe, mar à dentro,
para os dentes, deleite do tubarão,
poucos
quase ninguém
sobrevive
e isso não é certeza nenhuma,
pode-se enlouquecer na areia da praia,
uma vida de sal e de sol.
pode-se envelhecer na areia da praia,
uma vida de trabalho e sofá.
estar na areia
não é certeza
são poucos
que mantém os olhos abertos
durante o desastre
são poucos
que preservam a alma
durante a vida.

domingo, 24 de março de 2013

Panaceia

Panaceia

medicina, vitamina
Azitromicina
quantas mentes
quantos mentem
intenções assassinas
no banheiro, na sacada
no fundo da piscina
quantas mentes
quantos mentem
com a boca que saliva
a receita, obituário
sanduíche e cocaína
noite fria, morte lenta
Deus é a vaca que rumina
medicina, vitamina
chocolate e Ritalina
tudo é muito
e ainda é pouco
fonte de água cristalina
água benta, sabonete
hidratante e Aspirina
saca rolhas, dor de ouvido
o estouro e a buzina
medicina, vitamina
e o que mata é o leite
uva verde, melancia
estricnina.



segunda-feira, 18 de março de 2013

destruição em massa

destruição em massa

uma guerra que não acaba nunca
loucos em combate
diariamente
sem chance de exílio
a Suíça e o Pacífico
ficam do outro lado do campo
e nem mesmo no campo
conseguimos chegar
estamos presos pelos crachás,
o semáforo e o horário de almoço.
Cavamos trincheiras,
alugamos apartamentos,
bebemos,
e na madrugada
sem o som da TV
ouvimos a tropa de carros
colidindo e partindo
em todas direções.
Não existe resgate
a ambulância também quer socorro,
e quem não quer?
qualquer coisa que alivie
a tensão
somos soldados anônimos
expostos no front
sem receber o correio,
sozinhos,
nenhuma carta pra ler.

quinta-feira, 14 de março de 2013

envelope

envelope

vivo quase sempre
o constante fora de mim
num eterno desencontro
entre
remetente
destinatário
no papel que nem se vê
na parte interna do envelope.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Desliga da Justiça (e aproveite)

Desliga da Justiça
(e aproveite)

O feriado acabou
o oxigênio também
ainda tem muito sabonete e papel higiênico!
e nós aqui
esperando não sei o que
do vento virar,
do oceano secar.
A fonte salgou
e o Diabo morreu,
deixou herdeiros sem vocação,
para a maldade gratuita.
E nós aqui,
tomando chuva, vento e gafanhoto.
Vou alugar o avião invisível,
e te deixar ir na janela,
eu sou o Aquaman
(que nunca faz nada)
e você é A mulher
(maravilha).

domingo, 3 de março de 2013

tango Oriental

tango Oriental

bem no fim da madrugada,
o tango Oriental,
mata a mulher amada,
castiga a mulher amada!
chorando em lamento
sabendo e sofrendo,
que canta,
por não poder tocá-la.
É a ilusão do que ama em silêncio
pois afinal ela existe,
e ainda é deslumbrante,
mesmo depois de tanto tempo,
tantos homens,
tantos lábios
e tantas flores.

sábado, 2 de março de 2013

o alienado

o alienado

Não acredita nas notícias
não confia no sistema
não sabe onde fica
nem a porta de saída,
nem seu lugar no teatro,
palco ou platéia?
Mesmo assim
é parte do espetáculo
desconfortável figurante
atropelado, invadido,
ignorado...
pela lei
pela ordem
pela massa sem rosto
que compra carros
que vende a alma
que mantém a calma,
nas filas do supermercado.
Não suspira, não se empolga,
com as capas das revistas
e as celebridades do momento
e suas vidas perfeitas.
É o alienado,
que ofende em silêncio
que aplaude em escárnio
toda perfeição fabricada,
desde que o mundo é mundo
e Platão
inventou o Photoshop.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Sem sal.



Sem sal.

Sentado no vaso sanitário
lia os rótulos de shampoo
pensando na própria vida
tinha sentimentos de culpa.
Quando precisava ir ao dentista
escovava os dentes com vigor,
aquela sensação de quem não tinha feito a coisa certa
e agora corria contra o tempo,
contra as provas dos seus erros.
No espelho do banheiro
via os próprios olhos
amarelos da cor da aurora
do novo dia que não chega,
sinal que o fígado estava sendo maltratado,
e naqueles tempos quem não estava?
Os dias eram difíceis
e as noites quentes demais,
a condição perfeita pro mergulho, sem máscara de oxigênio,
para a queda, sem para-quedas.
De qualquer forma,
ainda tinha os cabelos perfeitos,
méritos,
do shampoo sem sal

sábado, 23 de fevereiro de 2013

divindade

divindade

Quando retiro a colher
vejo uma galaxia branca
girando na espuma do café,
ela se desfaz no primeiro gole
e não ligo
onipotente,
sou como Deus.
Observo o vai e vem de sacolas
é véspera de feriado
dia de algum santo
alguém que morreu mártir
e eu nem nem sei quem
e ninguém sabe
e não importa,
pago a conta e vou embora,
fingindo indiferença,
ser divino tem seu preço,
e não é pra qualquer um
é importante ter estilo
andar sobre a água
com o sapato furado,
multiplicar os pães,
com a carteira vazia.

motivação

motivação

Somos pequenos
moscas, formigas, pontinhos,
partículas,
quânticas ilusões
no universo de vaidades
vibrando, sonhando e saltitando
pelas calçadas cheias de buracos
pelas almas cheias de lacunas
somos especialistas
ostentando orgulhosamente
o amarelo dos dentes postiços.
E somos todos leigos
horda de loucos, famintos e desencontrados
que transpiram, transbordam,
transportam, corrompem e surtam.
Sem caminhos para seguir
não há motivos para correr,
no porto, na praça, nos bancos
os mesmos rostos
camisas mal passadas
com farelos de pão
e mesmo assim seguimos,
ganhando dinheiro,
perdendo os cabelos,
procurando motivos
para calçar os sapatos
mesmo que sempre
todos relógios
apontem seis da manhã.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

herói da história


herói da história

Alguns dias não acabam nunca,
algumas histórias, não acabam bem,
uns ficam quietos
outros bêbados
eu fico entre os loucos
sempre achando ridículo
o desfecho final.
Já estou na rua,
com os pés molhados
e sem guarda chuva,
quando a platéia urra
aplaudindo em desespero,
de pé,
a queda do vilão,
como se eles próprios
fossem os heróis
e não apenas
meros
coadjuvantes.

ele


ele

No quarenta e cinco eu nasci
em quarenta e cinco ele nasceu
e a guerra acabou?
quarenta e cinco vezes
eu sonhei e vivi
no vértice
do triangulo das bermudas
quarenta e cinco graus
isósceles, geometria imperfeita
no calor da hora
quarenta e cinco graus centígrados
no céu, o sol
na sombra dele
eu.

sábado, 26 de janeiro de 2013

quimera


quimera

A poeira fez cortina
cobriu todos os livros
empilhados na escrivaninha
não fiz nada para impedir
assisti passivo
percebi,
esses livros não são meus...
onde andarão meus poemas?
amassados,
no fundo das gavetas
escondidos como eu
licantropia infeliz
viver nesses dois mundos,
lógica e paixão
poesia, equação
amor, filosofia
a vida, agonia
existir, desistir
pensar, sentir...

...no meio da história...


...no meio da história...

Na cabeça, o carinho do temporal de agosto,
a mão fria do pai nos cabelos do filho.
Fantasia amarela e azul
improvável bobo no descampado.
Os trilhos muito retos
carregavam seus olhos
para lugar nenhum no horizonte verde.
A carne roxa,
por baixo das unhas
amolecidas de umidade,
denunciando o frio de existir.
Isolamento.
O atoleiro ao seu redor,
a própria vida,
chuva impiedosa,
verdade divina,
igualando todas as coisas,
limpando todas as almas.
Não tinha nada!
nada à perder, nada à ganhar
que verdade mais clara...
Andou devagar,
um passo por vez,
as mãos geladas
nos bolsos furados.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Temporal


Temporal

No meu peito existe um buraco,
não, um furo...
talvez seja melhor dizer fenda,
ou fissura...
enfim,
um espaço.
Por onde a dor esvai,
gota a gota
alagando o mundo,
goteira sem balde
das tormentas da alma.

Burlamaque


Burlamaque

A pele morena
quente e doce.
Caramelo recém feito
os olhos tão negros
viam o que eu não via,
deslumbrante.
Clareava o dia em seus lençóis
e ela sorria,
me chamando,
convidando pra dormir.